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Gaúcho | Para além do imaginário

Gaúcho | Para além do imaginário

  • Alcenir Pedroso Vieira
  • Altamir Morais Gonçalves
  • Antônio Rodrigues de Quadros (Xirú)
  • Cláudio Gonçalves
  • Giovani Morrudo Conceição
  • Hamilton Pinheiro Morais
  • Luis Felipe Ribeiro Corrêa
  • Luiz Fernando Fagundes
  • Márcio Rodrigues de Rodrigues
  • Mário Alves Nunes
  • Nelson Barcelos
  • Valdir Santiago da Silva
Por Clarissa Lima e Izis Abreu* A exposição “Gaúcho” é uma busca. De um fotógrafo que nasceu na fronteira oeste do Estado, em 1967, e voltou lá, depois de quarenta anos, em busca daquele gaúcho mítico que o fascinava na infância. Mas logo...
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Poemas de Oliveira Silveira

O áudio é do início do videodocumentário SOU, dirigido por Andreia Vigo para o Projeto RS NEGRO. Nele, o ator Sirmar Antunes declama fragmentos dos poemas “Vento do Pago” e “Platinos” de Oliveira Silveira (1941-2009)

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Por Clarissa Lima e Izis Abreu*

A exposição “Gaúcho” é uma busca. De um fotógrafo que nasceu na fronteira oeste do Estado, em 1967, e voltou lá, depois de quarenta anos, em busca daquele gaúcho mítico que o fascinava na infância. Mas logo percebeu a diferença entre a história oficial que lhe foi ensinada e a realidade. E foi a partir dessa percepção que iniciou esse trabalho fotográfico: como uma forma de resgatar o seu passado imagético e também mostrar algo mais perto do cenário real. Mas, afinal, quem é essa figura que representa um dos ícones da identidade sul-rio-grandense? Qual imagem vem a sua mente quando falamos em gaúcho?  Quantas identidades se fundem nesse híbrido identitário chamado gaúcho?

Em sua expedição fotográfica, Fábio Mariot percorreu diversas estâncias retratando os trabalhadores rurais. Seu método consistia em chegar sem avisar porque queria “captar” os trabalhadores nos seus trajes do dia a dia. Como recurso estético usou apenas luz natural, tendo como fundo o próprio lugar de vivência do fotografado, ou seja, os galpões das estâncias. A receptividade foi ótima e durante 4 anos fotografou 100 trabalhadores, percorreu mais de 10 mil quilômetros por estradas vicinais e visitou quase 60 estâncias.

Durante o processo de análise e edição do material surgiu uma série de pontos de vista. O principal foi em relação às etnias formadoras do Rio Grande do Sul. O artista viu emergir a pluralidade desse personagem épico a quem chamamos gaúcho. Estavam ali nos retratos os brancos, os negros e a miscigenação indígena-negro-branco. Os dois últimos grupos, historicamente invisibilizados pela iconografia oficial, que exaltou a identidade branca como modelo universal, relegando o indígena à uma espécie de figura alegórica. Enquanto o negro, figura central da história brasileira e gaúcha, não aparecia, era invisível nas narrativas regionalistas.

Contudo, a pesquisa poética de Fábio nos mostra que o negro é um dos principais grupos formadores da nossa cultura. Por isso, a série de retratos procura contribuir para o resgate da participação dessa etnia na formação da cultura do Rio Grande do Sul.

A exposição é realizada no ano em que é comemorado o Cinquentenário do 20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra , ganhando, assim, um significado ainda maior. O poeta Oliveira Silveira, integrante do Grupo Palmares é um dos idealizadores desta data, narrava em seus versos a luta, as dificuldades e os anseios da população negra no Brasil. Relatava as dores e injustiças dos escravizados no Rio Grande do Sul, sobretudo, nas Charqueadas, na cidade de Pelotas.

Esses mesmos negros, personificados na poesia de Oliveira Silveira, tiveram sua existência invisibilizada ao longo da história e, como consequência, excluídos do contexto econômico e cultural gaúcho.

Os registros de Fábio Mariot dão luz à presença do negro no pampa gaúcho. Imponentes em seus territórios, mostrando a força do seu trabalho, esses homens mostram um Gaúcho diferente do imaginário coletivo regional e brasileiro. 

Os retratos nos aproximam do cotidiano dos trabalhadores negros do campo, usando seus trajes e ferramentas. Escravizados no passado, livres no presente, na fazenda ou na cidade, eles sempre deram seu sangue para o desenvolvimento da sociedade gaúcha. Parafraseando a poesia de Oliveira Silveira, o Rio Grande do Sul também é Terra de Negros.

*Clarissa Lima é Jornalista, assessora de Diversidade da Secretaria de Cultura e ilustradora e Izis Abreu é Historiadora da Arte, mestranda em História, Teoria e Crítica de Arte e servidora no Núcleo Educativo e de Programa Público do Museu de Arte do Rio Grande do Sul – MARGS.

Saiba mais:

O áudio utilizado nesta exposição é parte do videodocumentário SOU, registro histórico-poético dirigido por Andrea Vigo para o Projeto RS Negro. A narrativa do videodocumentário SOU é construída por meio de poemas de várias obras literárias de Oliveira Silveira (1941 – 2009) como forma de evidenciar a relevância da projeção nacional da primeira celebração do 20 de novembro – Dia da Consciência Negra - realizada pelo Grupo Palmares de Porto Alegre/RS, em 1971. Assista o filme completo a seguir:

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SOU

Videodocumentário SOU, 26 min, Cor/P&B, Brasil/2010. Direção: Andreia Vigo. Roteiro: Andreia Vigo e Lílian Solá Santiago. Consultoria de Roteiro: Sátira Machado. Produção: Bureau de Cinema e Artes Visuais. Crédito: Andréia Vigo

SOU é parte integrante do “Projeto RS Negro: educando para a diversidade” distribuído gratuitamente para a Rede de Ensino em 2010. É uma realização da então Secretaria da Justiça e do Desenvolvimento Social do Estado do RS (SJDS/RS), por meio da Coordenadoria das Políticas de Igualdade Racial (Copir); em conjunto com a Fundação de Educação e Cultura do Internacional (Feci); o Grupo de Pesquisa Educom Afro da FACED/PUCRS; o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado do Rio Grande do Sul (Codene), a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), o Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS) e o movimento negro gaúcho, com o patrocínio do Grupo CEEE através da Rede Parceria Social/Lei da Solidariedade.

O Kit educomunicativo do Projeto RS Negro inclui os seguintes produtos: 1) livro “RS Negro: cartografias da produção do conhecimento”; 2) Videodocumentário “SOU”; 3) “Revista RS Negro”; 4) “Pôster Book RS Negro”; 5) “CD de Aulas RS Negro”; 6) e CD de músicas “Negro Grande”.

O projeto completo pode ser acessado no Portal de Oliveira Silveira. Esse site é um produto acadêmico da Profa. Dra. Sátira Machado da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), da Profa. Dra. Ilza Girardi da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e demais parceiros/as - entre eles - o Instituto Oliveira Silveira, dirigido por sua filha Naiara Rodrigues Silveira Lacerda – vice-presidenta da Comissão do “Ano do Cinquentenário do 20 de Novembro - Dia da Consciência Negra”, instituído por Decreto do governador Eduardo Leite, em 13 de maio de 2021.

Oliveira Silveira
1941-2009

Egresso da UFRGS, Oliveira Silveira (1941-2009) graduou-se professor de Português-Francês e suas respectivas literaturas, em 1965. Foi um dos idealizadores do primeiro ato evocativo ao 20 de novembro, em homenagem a Zumbi, na celebração realizada pelo “Grupo Palmares” em 1971, em Porto Alegre. Sua obra vem ganhando destaque nas literaturas gaúcha, sul-rio-grandense e brasileira, principalmente pelo resgate das culturas negras nas artes literárias. A professora Zila Bernd, autora do livro “Negritude e Literatura na América Latina”, destaca que “a cultura afro vai fazendo um trançado com a cultura gaúcha” na obra de Oliveira, ao valorizar “aspectos pouco conhecidos da história do negro no Rio Grande do Sul”.

Confira a seguir, o poema “Sou”, de Oliveira Silveira.

SOU

Sou a palavra cacimba
pra sede de todo mundo
e tenho assim minha alma:
água limpa e céu no fundo.

Já fui remo, fui enxada
e pedra de construção;
trilho de estrada-de-ferro,
lavoura, semente, grão.

Já fui a palavra canga,
sou hoje a palavra basta.
E vou refugando a manga
Num atropelo de aspa.

Meu canto é faca de charque
Voltada contra o feitor,
Dizendo que minha carne
não é de nenhum senhor.

Sou o samba das escolas
em todos os carnavais.
Sou o samba da cidade
e lá dos confins rurais.

Sou quicumbi e maçambique
no compasso do tambor.
Sou um toque de batuque
em casa jeje-nagô.

Sou a bombacha de santo,
sou o churrasco de Ogum.
Entre os filhos desta terra
naturalmente sou um.

Sou o trabalho e a luta,
suor de sangue de quem
nas entranhas desta terra
nutre raízes também.

SILVEIRA, Oliveira. Pêlo escuro – poemas afro-gaúchos. Porto Alegre: Edição do Autor, 1977

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