O escultor do Pampas no Palácio Piratini
Nos 40 anos de sua morte, relembramos sua presença no Palácio

O Palácio Piratini lança neste domingo (30/5) a série Contornos, que contará a história de autores de obras que adornam a sede do governo gaúcho. Antonio Caringi foi o escolhido para ser o primeiro homenageado, em alusão aos 40 anos de sua morte, que é relembrada hoje. A série será publicada nas redes sociais do Palácio e sempre contará com uma reportagem sobre os artistas apresentados.
Caringi nasceu em Pelotas, em 18 de maio de 1905. Mudou-se para Bagé para estudar, concluindo o primário e o ginásio (atual ensino fundamental e médio). Em 1918, ele e sua família se mudaram para Porto Alegre. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ingressou na faculdade de Química Industrial. Chegou a cursar algumas disciplinas, mas decidiu mudar de área, partindo para a escultura.
O amor pela arte surgiu ainda na infância. Sua neta mais velha, Antonella Caringi de Aquino, conta que ainda na escola ele produzia pequenas esculturas de giz para os colegas de aula. Em 1920, fez sua primeira exposição com um busto de sua irmã Hilda.
Em 1928, muda-se para a Alemanha a fim de aprimorar suas técnicas, e no ano seguinte integra a Academia de Belas Artes de Munique, sendo o único brasileiro a estudar escultura na instituição, como aponta o doutor em História da Arte José Francisco Alves. Caringi estudou na Europa até 1934, quando retornou ao Brasil e venceu um concurso para produzir uma estátua do general Bento Gonçalves na Exposição Internacional do Centenário Farroupilha, que ocorreu na capital gaúcha. O artista dedicou-se à construção do monumento entre 1935 e 1936.
Ao terminar a obra, retornou à Europa para seguir aprimorando suas técnicas. Devido à Segunda Guerra Mundial, em 1940, regressou para o Brasil, instalando-se em Pelotas, onde se casou com a poeta Noemi Assumpção Osorio, com quem teve seis filhos: Antonia, Fernanda, Ângela, Glória, Rita e Leonardo.

As obras de Caringi eram “grandes obras públicas para praças e parques”, define José Francisco Alves. Caringi tem obras expostas na Europa, em cidades como Munique, Berlim e Paris. Na América Latina, tem esculturas em Havana e em Buenos Aires. No Brasil, Rio de Janeiro, Bagé, Caxias do Sul, Porto Alegre, Pelotas, entre outras cidades, contam com suas obras. “Pelotas é quase um museu a céu aberto de Caringi”, aponta Alves.
Em Porto Alegre, foi responsável pela estátua símbolo da cidade: o Laçador. Sua construção remonta a 1954, quando Caringi venceu um concurso em São Paulo cujo objetivo era “criar o símbolo do gaúcho”, aponta Alves. A ideia inicial era construir a escultura e doá-la como presente à cidade de São Paulo, mas ela acabou adornando a paisagem da capital gaúcha. O monumento é feito de bronze, com 4,45 m de altura. No Palácio Piratini, há uma versão em miniatura, com aproximadamente 1 metro de altura.
Conhecido como “escultor dos pampas”, por privilegiar a representação do Estado e de seu povo em suas obras, e um dos maiores estatuários do Rio Grande do Sul, também assina o Monumento ao Expedicionário, localizado no Parque Farroupilha.
Além da importância de suas obras para o Estado, teve relevância na área acadêmica: foi fundador do curso de escultura na Escola de Belas Artes de Pelotas, onde lecionou por 28 anos, conta Antonella.
Caringi faleceu em 30 de maio de 1981, na cidade onde nasceu.
Caringi no Piratini
Em seu acervo, o Palácio Piratini tem três obras do escultor: o busto de Getúlio Vargas, a escultura de Bento Gonçalves e uma miniatura do Laçador. O busto de Getúlio e a versão menor do Laçador não são obras exclusivas do Piratini, sendo encontradas em outros acervos, aponta Alves.
O busto é mais raro e “possivelmente foi feito no contexto de alguma possibilidade de monumento, que não foi concretizado”, afirma o pesquisador. Antonella destaca que é uma obra importante pela relação do político com o escultor: eles eram amigos, e o ex-presidente, chegou a visitar os estúdios de Caringi.
Busca por reconhecimento
Com obras conhecidas e espalhadas por todo o Estado, uma das lutas da família Caringi é a busca pelo reconhecimento do artista. “Todos sabem quem é o Laçador, mas poucas pessoas conhecem seu artista”, aponta Antonella, que além de ser neta do escultor, também é a responsável pela organização e listagem do acervo das obras do avô, em conjunto com o escritório Nóris assessoria de arte, do Paraná.
Para Antonella, é importante para a cultura do Estado que a população gaúcha saiba o nome e a biografia de quem criou obras importantes para a história de cidades, como Porto Alegre com o Laçador, mas também do Rio Grande do Sul.
O Palácio Piratini, ao elencar Caringi como o primeiro artista a protagonizar a série Contornos, se une à família Caringi para celebrar a história do escultor.
Para manter essa memória viva, os seis filhos do escultor compartilharam memórias que possuem com ele. Antonia relembrou com carinho diversos momentos que tiveram juntos e se emocionou ao lembrar do passado. Ângela o define como “tão simples em família, quanto nobre na arte”. Uma grande memória dos filhos é em relação à sua arte e como ele incentivava que seus herdeiros encontrassem a sua. Fernanda, a mais velha, afirma que o artista a considerava seu “braço direito” e uma de suas melhores lembranças é de uma viagem que a família fez para a Europa, em que teve um pai e um professor de arte. “Ele compartilhou ensinamentos e técnicas, além de suas vivências no período em que estudou no continente europeu”, conta. “Ele sustentou os filhos dando murro nas pedras”, afirma.
Apesar de nem todos seguirem carreira pelo universo das artes, sua filha, Glória, aponta que eles têm o “DNA artístico” do pai. Ela desenhava quando criança. Um dos momentos mais especiais que teve foi ao organizar os materiais do escultor após a morte dele e encontrar um desenho que fez na infância guardado entre os pertences. “O desenho estava impecável, percebi que ele guardou com carinho, foi uma demonstração muito grande desse amor.”
Antonia relembra o incentivo a ser artista. Ela, que manteve uma escola de dança entre 1969 e 1999, aponta que uma das maiores saudades é ver seu pai na plateia dos espetáculos.
Caringi também tinha um lado caseiro. O único filho homem conta que o que mais admirava era o conhecimento de línguas, Além de português, ele se comunicava em alemão, holandês e grego. Uma de suas memórias mais queridas é o dia em que o pai resolveu cozinhar, algo que não ocorria com frequência, para preparar pratos típicos da região de sua família na Itália para os filhos. A caçula, Rita, descreve que ele era um pai amoroso, zeloso, mas também ciumento. “Sempre me colocava para dormir, todas as noites, com uma bolsa de água quente nos pés”, exemplifica.
Todos os filhos comentaram sobre uma característica: ser brincalhão com a família. “Não poupava uma brincadeira à mesa”, lembra Ângela. Seu lado de família italiana também era forte, apontam os filhos. Adorava mesa farta, vinho e cachimbo. “O cheiro do cachimbo no quarto é uma das minhas maiores memórias da infância”, conta Rita.
Outro detalhe mencionado pela família era sua elegância. Antonia contou que em uma de suas aulas nas Belas Artes de Pelotas ele buscava ensinar técnicas aos alunos de como trabalhar com a argila e não sujar a roupa. “Ele ia de terno, colocava um jaleco para cobrir a roupa, mas o jaleco saía limpinho, ele sujava apenas a ponta dos dedos”, recordou.

Um pai amoroso, um escultor exímio e reconhecido e uma pessoa brincalhona e elegante – esse era Antonio Caringi, o primeiro homenageado da série Contornos.
Texto: Stéfani Fontanive
Edição: Vitor Necchi/Secom