O homem por trás dos cerimoniais do Piratini
O homenageado da série personagens é Aristides Germani, o chefe de cerimônias do Palácio Piratini

No ano de 1968, o jovem porto-alegrense Aristides Germani, com seus 26 anos, começava uma carreira no Palácio Piratini. Carreira, esta, que já ultrapassa a marca de 50 anos. Hoje, aos 80 anos, Seu Aristides, como é carinhosamente conhecido, chefia o cerimonial do Executivo Gaúcho e relembra sua trajetória cinquentenária com dedicação e ternura.
Aristides começou a trabalhar no Palácio Piratini a convite do Secretário de Estado João Temer. No posto de auxiliar da chefe do cerimonial da época, Ingrid Best, ele deu início à carreira de cerimonialista da Sede do Executivo do Estado. No início, a subscrição de convites era de sua responsabilidade. Com o encargo de assinar cada envelope — cujo montante chegava a ultrapassar 400 exemplares —, passava a noite trabalhando e, por vezes, levava a tarefa para casa. Na primeira metade dos anos 70, durante o governo de Euclides Triches, Aristides passou em um concurso público para historiógrafo e permaneceu no Palácio até 1975, quando foi a Brasília a convite do embaixador e chefe do cerimonial da presidência Jorge Ribeiro para trabalhar no Ministério da Justiça.
No início da década de 1980, Aristides voltou para Porto Alegre e assumiu a chefia do cerimonial do Piratini. “Naquela época, era um fato muito honroso, sem dúvida, ser o chefe do cerimonial, e é onde eu estou até hoje”, relembra. Nesse meio tempo, Aristides também passou pelo cerimonial da Assembleia Legislativa, onde trabalhou por 12 anos e permaneceu até o governo Rigotto, no início dos anos 2000.
Ao longo dos anos, Aristides criou honrarias e iniciou tradições cerimoniais no Palácio — muitas delas serviram de inspiração para cerimoniais de outros estados. Desde pequenos detalhes do dia a dia do Piratini, até as recepções de embaixadores, tudo sempre é pensado para valorizar as autoridades e conferir maior solenidade à visita. “As autoridades que vêm ao palácio têm que ser recebidas com as providência certas”, acrescenta.
O papel do cerimonial vai além de organizar cerimônias. “O cerimonial faz toda a solenidade, dá orientações às entidades que estão promovendo o evento quanto a ordem de precedência das falas e também orienta o governador para que ele não cometa nenhuma gafe”, conta Aristides. Para ele, a transmissão de cargo de governador é a solenidade mais importante feita dentro do Palácio Piratini. Além disso, o setor acompanha os chefes do Executivo em suas viagens para o exterior. “Eu acompanhei o Rigotto na China, no Japão, na Europa, porque tem a parte do protocolo, a entrega de presentes, qual é o momento certo, a gente vai orientando o governador”, lembra o chefe do cerimonial.
Ainda que tenha passado quase duas décadas longe do Piratini, Seu Aristides marca presença pelos salões palacianos desde o final dos anos 60. Funcionário público de carreira já aposentado, ele conta porque ainda permanece no cargo: “fui convidado pelos governadores, depois que me aposentei, para ser o chefe do cerimonial”. Além de conhecedor de protocolos, ele é um cerimonialista íntegro. “O cerimonial tem como princípio, ao menos eu oriento a todo mundo: nada viu, nada ouviu e nada falou. Isso aí é um símbolo do cerimonial, não pode comentar nada”, pontua Aristides sobre momentos íntimos e particulares das autoridades. “Tu estás tendo o privilégio de trabalhar junto de uma autoridade, você não pode fazer comentários”, acrescenta.
Ao longo dos anos, o Palácio Piratini passou por diversas mudanças, algumas presenciadas por Seu Aristides em seus mais de 50 anos de vivência no Palácio. No Salão Alberto Pasqualini, antigamente, estava localizada uma biblioteca, que foi transferida para o antigo prédio da Assembleia Legislativa do Estado, na rua Duque de Caxias. “Deste modo, a Assembleia era a nossa biblioteca, quando saiu daqui do Palácio”, relembra.
Dentre os espaços do Piratini, Aristides tem apreço pelo Salão dos Espelhos, local rico em espelhos e detalhes típicos da arquitetura francesa, destinado a reuniões e eventos em menor escala. Mas, o que mais chama a atenção do cerimonialista é a alegoria da Primavera, de Paul Landowski, o escultor do Cristo Redentor localizado no Rio de Janeiro. “Eu acho lindíssimo e acho que, na verdade, isso deveria estar na frente do Palácio”, completa.
Em sua longa trajetória, o cerimonialista esteve presente em diversos momentos que entraram para a história do Palácio. De acordo com Seu Aristides, era um mundo diferente, existia mais romantismo. “Havia visitas de Presidente da República e sempre eram muito elegantes, tinha grandes jantares ou grandes almoços”, destaca. Ele relembra a visita do ex-presidente da república Costa e Silva ao Palácio Piratini. “Ele veio para o Rio Grande do Sul e ficou por dois ou três dias no palácio.” Na época, o governador se retirou da ala residencial para ceder o espaço ao então presidente. “Na ocasião houve uma urgência em arrumar todo o Palácio para a visita do Costa e Silva”, rememora.
O cerimonialista recorda, com carinho, a era de gala do Palácio, onde todos os convidados seguiam à risca o traje solicitado nos convites. “Hoje, o pessoal vem como quer, como acha mais confortável. Eu vejo que as pessoas aboliram o respeito ao que diz o convite”, afirma.
Em 1980, o Rio Grande do Sul recebeu a visita do Papa João Paulo II. Na época, foi montada uma estratégia para receber a autoridade máxima do clero da melhor maneira possível na capital gaúcha. “Quando vem essas figuras importantes como o Papa e o Presidente da República, o cerimonial fica à disposição do cerimonial da presidência, do Itamaraty”, explica Aristides. Na ocasião, o cerimonial do palácio se agregou a eles, pelo fato de conhecerem muito bem as autoridades. “Foi uma coisa maravilhosa, fantástica”, recorda. “Ele era um papa bastante jovem, muito dinâmico, expansivo, um Papa brilhante.”
Com a chegada do religioso à capital gaúcha, um dos momentos mais emblemáticos e memoráveis da história de Aristides ocorreu: o encontro, cara a cara, com o Papa, no Aeroporto Salgado Filho. Na ocasião, ele não era chefe do cerimonial. “Eu estava chegando de Brasília, estava voltando para casa e, na hora, o governador disse: ‘o presente’. Eu esperei que o chefe do cerimonial levasse o presente, mas ele tinha desaparecido, e aí eu levei”, conta. Na hora em que Aristides iria entregar o presente ao governador para que ele desse ao Papa, o pontífice se antecipa e recebe das mãos do cerimonialista o agrado. O momento foi registrado pela imprensa, e o registro foi publicado mundo afora.
Homenagem no Centenário
“Eu me senti muito honrado e não vou esquecer jamais este momento”
“Foi uma emoção muito grande”, diz Seu Aristides sobre ter sido surpreendido com uma homenagem durante a solenidade realizada para comemorar o Centenário do Palácio Piratini. Aristides conta que a emoção aflorou ainda mais quando viu seu irmão e os seus sobrinhos presentes na homenagem. “Foi um momento inesquecível para mim”, afirma. Das mãos do governador, o cerimonialista recebeu a medalha Ponche Verde, no grau de comendador.
“Eu me senti muito honrado e não vou esquecer jamais este momento”, reitera. Segundo o cerimonialista, esta homenagem não foi apenas para ele, mas para todos os seus funcionários.
As festividades para comemorar os 100 anos do Palácio Piratini foram muito esperadas por todos aqueles que fizeram e fazem parte da história deste patrimônio gaúcho. E com seu Aristides não foi diferente: “a gente estava esperando para que tudo acontecesse e esperávamos que fosse uma festividade grandiosa, e foi”. Segundo Aristides, que já conheceu quase todos os palácios do Brasil, o Piratini é um dos mais belos. “Eu não sei se é porque aqui é minha casa, é nosso, mas eu acho o Palácio Piratini um dos mais bonitos”, conta.
Dos seus 80 anos de história mais da metade foram dedicados ao funcionalismo público. Para o cerimonialista, no momento em que você se torna funcionário público, seja estadual, municipal ou federal você tem que dar uma parte da sua vida, se dedicar ao máximo. “Eu me sinto muito feliz e acho que é muito honroso ser funcionário público”, reitera. Graduado em história e jornalismo, Aristides pouco utiliza os títulos de historiador ou jornalista. Tem orgulho e preferência em dizer que é funcionário público estadual.
Texto: Ana Julia Zanotto e Emily Vieira